O evento reforça o papel da arte como ferramenta de inclusão e acessibilidade

Em um momento de celebração, sensibilidade e transformação social, o evento Arte com Toque ocupou o Espaço Cidadania Ambiental (Ecam), no Shopping Manauara, na terça-feira (08/04), em alusão ao Dia Nacional do Sistema Braille.
A ação, promovida com o apoio do Governo do Amazonas por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa e da Biblioteca Braille do Amazonas, foi marcada por um desfile inclusivo, uma exposição tátil e apresentações musicais. A iniciativa reforça a importância da arte como ferramenta de inclusão e da acessibilidade como direito fundamental.
Totalmente acessível ao público com deficiência visual, o evento ofereceu audiodescrição e materiais em braille, além de contar com a participação ativa dos alunos do projeto Arte com Toque, idealizado pela professora e artista indígena Seanny Oliveira. O projeto reúne pessoas com deficiência visual que, orientadas por Seanny, confeccionam e pintam roupas e obras táteis com técnicas adaptadas à percepção sensorial pelo toque.
O nascimento de uma arte acessível
Seanny Oliveira é do povo Munduruku e professora de artes, além de estilista autodidata e criadora do projeto Arte com Toque. Sua trajetória começou ainda na adolescência, e seu interesse pela inclusão de pessoas cegas na arte visual surgiu durante seu estágio em uma sala inclusiva, quando dois alunos com deficiência visual pediram para participar das atividades de pintura. O que poderia ser um obstáculo, tornou-se um novo caminho pedagógico e artístico.
“Eu sempre digo que nós trabalhamos aqui a inclusão da inclusão. Não faz sentido ser artista se a sua arte não alcançar o outro. O projeto é sobre ensinar, fazer e transformar vidas”, destacou Seanny. “Meu objetivo é que cada aluno se reconheça como artista e, no futuro, possa ocupar espaços culturais como protagonista”, acrescentou.

Desde então, Seanny desenvolveu uma metodologia própria, baseada no estímulo sensorial por meio do toque, para ensinar pintura a pessoas cegas. Com apoio de editais públicos, o projeto cresceu de oito para dezoito participantes, todos com obras autorais exibidas na exposição.
Expressões que atravessam fronteiras
Durante o evento, Seanny e sua filha, Rebeca Ferreira, articuladora cultural e coordenadora do projeto Moda Indígena (MI), anunciaram convites internacionais para exibir as criações dos alunos em países como Inglaterra, Itália e França. A colaboração com instituições voltadas à moda inclusiva que promove iniciativas da Amazônia, abre portas para que artistas com deficiência visual amazônidas ganhem reconhecimento global.
“Criar essas pontes é o nosso objetivo. A cultura amazônica tem muito a oferecer ao mundo, e esses artistas merecem visibilidade. Inclusão é sobre presença, protagonismo e reconhecimento”, afirmou Rebeca.
Biblioteca Braille: mais de duas décadas promovendo inclusão
O evento contou ainda com o apoio da Biblioteca Braille do Amazonas, referência nacional com um dos maiores acervos em braille do país. O gerente da biblioteca, Gilson Mauro, destacou a importância do sistema de leitura e escrita para a autonomia das pessoas cegas.
“O Braille é o único sistema eficaz de alfabetização para pessoas com deficiência visual. Ele garante acesso à educação, à cultura e ao mundo. São 200 anos de história que não podem ser ignorados”, afirmou.

Desde sua criação em 1999, a biblioteca tem promovido cursos e oficinas que incentivam o aprendizado do braille não apenas entre cegos, mas também entre professores, voluntários e interessados em acessibilidade. Para Gilson, eventos como o Arte com Toque ajudam a derrubar preconceitos ainda existentes. “Precisamos de políticas públicas que não apenas falem de inclusão, mas que a pratiquem. E isso se faz com arte, com educação, com presença”, destacou Gilson Mauro.
Música e sensibilidade no palco
A trilha sonora do evento ficou por conta do artista Manuel Passos, que dividiu o palco com alunos do Liceu de Artes e Ofícios Claudio Santoro. O repertório sensível e bem executado embalou o desfile dos alunos do projeto Arte com Toque, que apresentaram peças criadas e pintadas por eles mesmos, resultado de meses de trabalho, aprendizado e desenvolvimento sensorial.
Ecam: cidadania ambiental com olhar inclusivo
O espaço Ecam, localizado no terceiro piso do shopping, é gerenciado pela Secretaria Municipal de Educação (Semed) e coordena mensalmente exposições com temas ligados à cidadania e à educação ambiental. Para Renato Júnior, coordenador do setor Ocas do Conhecimento Ambiental, o evento reforça o papel do Ecam como lugar de diálogo e transformação.
“Nosso foco é a educação ambiental, mas também entendemos que cidadania inclui respeitar a diversidade. Celebrar os 200 anos do Sistema Braille neste espaço é reconhecer o valor da pessoa com deficiência como agente cultural e social”, explicou Renato.
Arte com Toque não foi apenas um evento comemorativo. Foi um manifesto sensível e poderoso sobre a capacidade transformadora da arte e a urgência de uma sociedade mais acessível, onde todos possam criar, participar e ser vistos, inclusive com as mãos.
Fotos: Alex Maia